Livro na praca, uma bobagem - Janer Cristaldo
LIVRO NÃO SE LIBERTA
Janer Cristaldo
Domingo, Maio 23, 2010
A idéia nasceu de um projeto americano, o Book Crossing – lemos no Estadão de hoje –. Você deixa um livro em qualquer lugar público: um banco de praça, um café, um cinema. Caso encontre um exemplar, pega, lê e depois passa adiante. E, assim, de mão em mão, o livro vai circulando. O Book Crossing ganhou fôlego em mais de cem países, até no Brasil.
O projeto não tem sentido. Livro bom não largamos na rua. Livro bom fica em nossa biblioteca. Mesmo que, desprendidos, comprássemos um Dostoievski ou Cervantes para entregá-lo aos pobres, quem garante que quem o encontra vai lê-lo? Por outro lado, digamos que você tenha, por alguma razão, livros horrorosos em sua casa e deles quer livrar-se. Ora, você não presta nenhum serviço a alguém fornecendo-lhe um livro ruim.
Idéia de jerico. Livro não se lê ao acaso. É algo que procuramos. Uma livraria pode nos oferecer milhares de livros e nenhum deles nos interessa. Se você oferece um livro a quem não lê, de nada adianta oferecê-lo. Quem não lê pode estar na biblioteca mais rica do mundo. Só vai se sentir entediado. Livro é para quem lê. Para quem não lê, de nada serve.
Subservientes a toda idéia besta que vem de fora, um grupo de cariocas decidiu ampliar a corrente e criou o Livro de Rua. O movimento não só deixa livros em lugares públicos, como também instala as "bibliotecas da liberdade" em lugares carentes. "O Book Crossing é uma ótima idéia, mas os livros acabam só circulando em áreas mais nobres, onde as pessoas têm acesso a livrarias e bibliotecas. Acaba sendo um grande clube do livro", diz Pedro Gerolimich, de 28 anos, um dos idealizadores do Livro de Rua. "Queremos democratizar o acesso à leitura".
Bibliotecas da liberdade é nome que soa bem. Mas mesmo nas “áreas mais nobres, onde as pessoas têm acesso a livrarias e bibliotecas”, há muita gente que não lê. Neste nosso mundo audiovisual, leitor é minoria. Ora, quem chegou à idade adulta sem ler é pessoa perdida para a leitura. Sem falar que ler não é critério de cultura. O mundo está cheio de gente lendo Harry Potter, Paulo Coelho, Stephen King, Zíbia Gasparetto e – cá entre nós – esta gente ganharia mais se não soubesse ler. O analfabeto não deixa de ter uma grande vantagem. Está fora do alcance da má literatura.
Nas "bibliotecas da liberdade" não há burocracia – diz o jornal –. Qualquer pessoa pode levar quantos livros quiser. Não precisa mostrar documento de identidade nem fazer cadastro. Ninguém é obrigado a devolver os exemplares. O único compromisso é passar o livro adiante ou deixar em lugar público. O lema do projeto é a "libertação" dos livros.
Muito biscateiro vai adorar o projeto. O quilo de papel sempre rende alguns trocados. A tal de libertação dos livros é delírio de quem não lê. De livro bom não nos libertamos. Eles são nossos eternos prisioneiros. Há livros que condenei à prisão perpétua, jamais sairão de minhas estantes. Para amigos muito próximos, até pode ser. Mas cada vez que um deles sai aqui de casa, me sinto como uma mãe cujo filho foi escalado para combater no Iraque.
Tenho também os livros horrorosos. São aqueles que fui obrigado a ler quando lecionei na universidade. Já pensei em doá-los. Mas dar livro ruim é colaborar com o avanço da estupidez. Não quero ser responsável por isso. Qualquer dia ainda os repasso a catadores de papel. Tenho certeza de que não irão lê-los.
"O livro serve para que as pessoas possam ler e não para ficar em uma estante. Ele tem de circular. Já libertamos 5 mil livros em quase dois anos", diz Gerolimich. A maioria foi parar nas cinco bibliotecas montadas pelo grupo. Três na Baixada Fluminense, um bolsão de miséria no entorno do Rio, duas em Belo Horizonte. E já há planos para chegar também a São Paulo e Brasília. As bibliotecas são instaladas em lugares como lan houses e postos de saúde. "A gente leva o livro onde as pessoas estão por outro motivo. Mas, quando dão de cara com os livros, elas acabam pegando. Queremos que elas adquiram o hábito da leitura".
Não é assim. Isto é visão de quem não lê. Livros servem para formar bibliotecas. São a nossa memória. Em minhas estantes, conservo livros da época universitária. Todos devidamente sublinhados, o que inclusive me serve para rever a mim mesmo nos dias de jovem. Sou leitor que não gosta nem de livro emprestado. Se gosto do livro, vou querer sublinhar. Não posso fazer isso em livro que não é meu. Da mesma forma, quando alguém me pede livro que me dói emprestar, tomo uma providência elementar: compro o livro e o dou de presente.
Gerolimich fala em bibliotecas montadas pelo grupo. Ora, bibliotecas custam dinheiro. Metro quadrado não se encontra de graça. Duvido que os libertadores as custeiem de seu bolso. O movimento dos tais de libertadores de livros me soa a ONGs que vivem de dinheiro do contribuinte.
- Enviado por Janer @ 10:16 PM
Janer Cristaldo
Domingo, Maio 23, 2010
A idéia nasceu de um projeto americano, o Book Crossing – lemos no Estadão de hoje –. Você deixa um livro em qualquer lugar público: um banco de praça, um café, um cinema. Caso encontre um exemplar, pega, lê e depois passa adiante. E, assim, de mão em mão, o livro vai circulando. O Book Crossing ganhou fôlego em mais de cem países, até no Brasil.
O projeto não tem sentido. Livro bom não largamos na rua. Livro bom fica em nossa biblioteca. Mesmo que, desprendidos, comprássemos um Dostoievski ou Cervantes para entregá-lo aos pobres, quem garante que quem o encontra vai lê-lo? Por outro lado, digamos que você tenha, por alguma razão, livros horrorosos em sua casa e deles quer livrar-se. Ora, você não presta nenhum serviço a alguém fornecendo-lhe um livro ruim.
Idéia de jerico. Livro não se lê ao acaso. É algo que procuramos. Uma livraria pode nos oferecer milhares de livros e nenhum deles nos interessa. Se você oferece um livro a quem não lê, de nada adianta oferecê-lo. Quem não lê pode estar na biblioteca mais rica do mundo. Só vai se sentir entediado. Livro é para quem lê. Para quem não lê, de nada serve.
Subservientes a toda idéia besta que vem de fora, um grupo de cariocas decidiu ampliar a corrente e criou o Livro de Rua. O movimento não só deixa livros em lugares públicos, como também instala as "bibliotecas da liberdade" em lugares carentes. "O Book Crossing é uma ótima idéia, mas os livros acabam só circulando em áreas mais nobres, onde as pessoas têm acesso a livrarias e bibliotecas. Acaba sendo um grande clube do livro", diz Pedro Gerolimich, de 28 anos, um dos idealizadores do Livro de Rua. "Queremos democratizar o acesso à leitura".
Bibliotecas da liberdade é nome que soa bem. Mas mesmo nas “áreas mais nobres, onde as pessoas têm acesso a livrarias e bibliotecas”, há muita gente que não lê. Neste nosso mundo audiovisual, leitor é minoria. Ora, quem chegou à idade adulta sem ler é pessoa perdida para a leitura. Sem falar que ler não é critério de cultura. O mundo está cheio de gente lendo Harry Potter, Paulo Coelho, Stephen King, Zíbia Gasparetto e – cá entre nós – esta gente ganharia mais se não soubesse ler. O analfabeto não deixa de ter uma grande vantagem. Está fora do alcance da má literatura.
Nas "bibliotecas da liberdade" não há burocracia – diz o jornal –. Qualquer pessoa pode levar quantos livros quiser. Não precisa mostrar documento de identidade nem fazer cadastro. Ninguém é obrigado a devolver os exemplares. O único compromisso é passar o livro adiante ou deixar em lugar público. O lema do projeto é a "libertação" dos livros.
Muito biscateiro vai adorar o projeto. O quilo de papel sempre rende alguns trocados. A tal de libertação dos livros é delírio de quem não lê. De livro bom não nos libertamos. Eles são nossos eternos prisioneiros. Há livros que condenei à prisão perpétua, jamais sairão de minhas estantes. Para amigos muito próximos, até pode ser. Mas cada vez que um deles sai aqui de casa, me sinto como uma mãe cujo filho foi escalado para combater no Iraque.
Tenho também os livros horrorosos. São aqueles que fui obrigado a ler quando lecionei na universidade. Já pensei em doá-los. Mas dar livro ruim é colaborar com o avanço da estupidez. Não quero ser responsável por isso. Qualquer dia ainda os repasso a catadores de papel. Tenho certeza de que não irão lê-los.
"O livro serve para que as pessoas possam ler e não para ficar em uma estante. Ele tem de circular. Já libertamos 5 mil livros em quase dois anos", diz Gerolimich. A maioria foi parar nas cinco bibliotecas montadas pelo grupo. Três na Baixada Fluminense, um bolsão de miséria no entorno do Rio, duas em Belo Horizonte. E já há planos para chegar também a São Paulo e Brasília. As bibliotecas são instaladas em lugares como lan houses e postos de saúde. "A gente leva o livro onde as pessoas estão por outro motivo. Mas, quando dão de cara com os livros, elas acabam pegando. Queremos que elas adquiram o hábito da leitura".
Não é assim. Isto é visão de quem não lê. Livros servem para formar bibliotecas. São a nossa memória. Em minhas estantes, conservo livros da época universitária. Todos devidamente sublinhados, o que inclusive me serve para rever a mim mesmo nos dias de jovem. Sou leitor que não gosta nem de livro emprestado. Se gosto do livro, vou querer sublinhar. Não posso fazer isso em livro que não é meu. Da mesma forma, quando alguém me pede livro que me dói emprestar, tomo uma providência elementar: compro o livro e o dou de presente.
Gerolimich fala em bibliotecas montadas pelo grupo. Ora, bibliotecas custam dinheiro. Metro quadrado não se encontra de graça. Duvido que os libertadores as custeiem de seu bolso. O movimento dos tais de libertadores de livros me soa a ONGs que vivem de dinheiro do contribuinte.
- Enviado por Janer @ 10:16 PM
Marcadores: livros
4 Comments:
Sinceramente, livro bom não sai de minha estante. Não mesmo. Sou bibliofilo assumido.Quero que as pessoas leiam e até recomendo bosn livros (raramente empresto os meus),mas as que realmente querem ler.
Sinceramente, livro bom não sai de minha estante. Não mesmo. Sou bibliofilo assumido.Quero que as pessoas leiam e até recomendo bosn livros (raramente empresto os meus),mas as que realmente querem ler.
Concordo com a crítica ao projeto meio bobo. Entretato, me parece que crítico e criticado compartilham a reverência pelo objeto livro - um por achar que por sí só, em um banco, muda alguém e o outro por "essencializar" a diferença entre quem le e quem não lê. Acho uma pena que, para criticar o projeto pueril, o crítico recorra a argumentos típicos do filisteu ilustrado.
Thiago Dias
Há um ano, comprei um Kindle (melhor compra em minha vida). Ele so tem um defeito, nao tem como eu emprestar oque eu li para quem eu quiser.
Um livro ele quer ser lido... quer se reproduzir (nas ideias, nao materialmente), por isso acho um crime prender um em uma estante, mas entendo-o a questao do apego que te impeça disso.
Mas em algumas coisas eu concordo com vc, esse projeto tem um publico alvo pequeno e por isso tem que ter foco para atingi-lo - não apenas o deixar na rua e esperar que quem o encontrar sera uma alma caridosa que vai cuidar dele e lê-lo.
E outra que concordo com vc, é a solução. Não tenho como emprestar o meu Kindle, mas tenho como comprar um e dar de presente.
Ps. Eu li Harry Potter, e acredito que ate ele tem o seu valor e momento. Ler um bom livro requer energia, atenção e dedicação, tem momentos que elas não estão disponiveis e vc quer apenas esquecer de tudo e abrir a valvula de escape, para esses momentos Harry Potter tem seu valor.
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