20) Barao do Rio Branco, por Rubens Ricupero
Um vencedor
O texto a seguir integra o livro Barão do Rio Branco: Uma Biografia Fotográfica, da Fundação Alexandre de Gusmão, vinculada ao Itamaraty:
Por Rubens Ricupero*
Quando Gelson Fonseca, então presidente da Fundação Alexandre de Gusmão. me pediu para escrever esta introdução, perguntei-lhe se desejava uma síntese da vida ou um estudo analítico da obra de Rio Branco. Sua resposta foi: "Procure mostrar por que o Barão é importante, o que justifica sua relevância ainda agora."
Interpretei a orientação como sendo algo a meio caminho entre o relato da vida e o exame da obra. Ou melhor, o esforço para mostrar como uma é inseparável da outra, como no fundo, a obra se confunde com a vida.
Só assim, creio, se poderia explicar ao leitor de hoje as razões da permanência e da validade dos resultados de uma política exterior concebida e executada quase cem anos atrás.
Não se trata, portanto, de tentar duplicar com palavras o que o livro vai mostrar pela imagem fotográfica. Quem tiver apetite para mais, poderá recorrer a uma das biografias relativamente recentes como a de Álvaro Lins e Luiz Viana Filho, capazes de atender plenamente à curiosidade acerca dos pormenores da origem familiar ou as vicissitudes da existência de Rio Branco.
Não se visa, tampouco, no outro extremo, a compor, com rigor acadêmico e abundância de citações, um estudo erudito e seco das idéias e do trabalho diplomático que trazem a marca do grande Chanceler.
Antes, o ideal seria ir desdobrando aos olhos do leitor, pari passu com as numerosas fotografias que lhe documentam a vida, as etapas de crescimento e maturação do pensamento e das ações de Rio Branco. Como nem tudo nessa trajetória foi passível de registro fotográfico, teremos de ir um pouco além das legendas que decifram a imagem, a fim de dar conta da articulação e do encadeamento entre a vida e a obra.
Dizer o porquê da fama persistente do Barão parece tarefa enganadoramente fácil. Como, porém, evitar a sensação do já visto e ouvido numa história contada dezenas, centenas de vezes? De que forma convencer o cético leitor atual, correspondente ao "ouvinte agudo" e sem fé temido pelo Padre Vieira, de que alguma coisa de antes da Semana de Arte Moderna de 22 possa ter valor, apesar do envoltório em linguagem e estilo tão contrastantes com o nosso gosto? De que modo seria possível, num livro destinado a celebrar os 150 anos do nascimento do segundo Rio Branco, fugir aos clichês e lugares-comuns, recusar, sobretudo quando se é diplomata de carreira, seja a atitude apologética e triunfalista dos escritores do passado, seja o impulso iconoclasta nascido da antipatia pela personalidade ou as idéias daquele a quem é dedicada a obra?
Não obstante a falsa aparência que atribuía ao Barão uma imagem unidimensional, descomplicada, sólida e de um bloco inteiro, na prática as coisas eram mais complexas. Manuel de Oliveira Lima, que o conheceu bem e o julgou sem indulgência, dizia que sua inteligência era banhada de luz mas sua alma tinha refolhos (no artigo original, os dois elementos são citados em ordem inversa)¹.
De fato, há muito de inesperado, até de paradoxal no destino de um homem que passaria os primeiros 50 dos seus 66 anos em quase obscuridade para, de repente, conquistar uma das notoriedades mais duradouras da História brasileira.
Ele desmente nisso algumas idéias engenhosas mas que, ao menos no seu caso, não resistem à prova dos fatos. Em uma de suas entrevistas, Tom Jobim afirmava que, para dar certo, Brasil precisava aprender a gostar dos vencedores. Em lugar de teimar em torcer por Garrincha, por exemplo, o brasileiro tinha afinal de começar a gostar de Pelé.
Ora, o Barão foi um vencedor por excelência, tardio se quiserem, mas certeiro e infalível. Uma vez descoberto o caminho do sucesso, dele nunca mais se desviou. Arbitragem das Missões, do Amapá, a solução para o Acre, a Terceira Conferência Americana no Rio, o Caso Panther com a Alemanha ou do telegrama número 9 com a Argentina, o primeiro cardeal sul-americano destinado ao Rio de Janeiro, tudo que tocava, virava ouro. Não é à toa que um povo humilhado e abatido pela inflação do Encilhamento e pelas atrocidades sem precedentes dos tempos de Floriano, dos degolamentos e execuções sumárias da Rebelião Federalista, pelo massacre de Canudos, já sob Prudente de Moraes, a suspeita perturbadora de que, em fim de contas, não éramos muito distintos das republiquetas sul-americanas, que o Segundo Império não fora a regra mas a exceção, que esse povo se agarrasse às vitórias de Rio Branco como anos mais tarde lançaria mão das glórias esportivas para restituir-se um pouco de auto-estima.
Essa gratidão pelas vitórias, a população começou a tributar-lhe ainda em vida, com a recepção que reservou ao seu regresso ao Rio de Janeiro para tornar-se ministro em dezembro de 1902, após 15 anos de ausência do Brasil e 26 anos de residência no estrangeiro. Foi uma das mais impressionantes manifestações de rua jamais testemunhadas pela Capital Federal, cujos cidadãos continuaram, nos anos seguintes, a multiplicar sinais de respeito e veneração ao conterrâneo Juca Paranhos, como se pode ver nas fotos onde populares se descobrem na Avenida Central à passagem de sua imponente figura, impecavelmente coberta de cartola naquele distante verão carioca.
Quase uma década mais tarde, o enterro no Caju, também num dia de verão de fevereiro de 1912, foi igualmente retratado pelos contemporâneos como consagração comovedora e sem precedentes.
Nada, no fundo, anunciava essa glória intensa, a popularidade maior que a do velho Visconde, seu pai e antigo Presidente do Conselho, naquele que havia sido discreto estudante de Direito, promotor inconstante, fugaz professor de História e Geografia do Brasil do Colégio Pedro II, deputado sem distinção nem entusiasmo, apagado funcionário consular em Liverpool.
É interessante, a esse respeito, o contraste entre o Barão e seus dois grandes contemporâneos, Joaquim Nabuco e Rui Barbosa. Ambos experimentaram o reconhecimento e a fama muito mais cedo, Nabuco como jovem e brilhante deputado e chefe abolicionista, promessa segura de um dia superar o pai a quem dedicou "Um Estadista do Império". Rui, já célebre e festejado durante a monarquia, seria o Ministro da Fazenda do Governo Provisório e o principal criador da Constituição republicana. Coincidentemente, em e outro, em momentos diferentes, apresentaram ao público brasileiro o desconhecido Rio Branco, Rui no consagrador artigo que ocupou toda a primeira página do "Diário de Notícias" de 14 de outubro de 1889, acerca dos capítulos sobre o Brasil da Grande Encyclopédie. Muito tempo mais tarde, o Barão reconhecia em discurso na casa de Rui Barbosa:
"Quando eu era ainda no estrangeiro um ignorado estudante das coisas pátrias e propagandista humilde e muitas vezes anônimo dos progressos da nossa terra e dos feitos honrosos de nossos compatriotas, foi o conselheiro Rui Barbosa quem, no jornal e com seu brilho costumeiro, chamou a atenção para estes meus pobres trabalhos e tornou conhecida entre nós a minha dedicação à pátria"².
Da mesma forma, coube ao amigo Nabuco reapresentá-lo no editorial escrito para o "Jornal do Comércio" de 9 de fevereiro de 1895, onde nota, a fim de festejar o êxito no caso das Missões:
"O Barão do Rio Branco, pode-se dizer, era até ontem muito mais conhecido em nosso país pelo reflexo do nome paterno do que pelo que ele mesmo já tinha feito."
Quis o destino que os três homenageados seguissem trajetos distintos. Na República, Nabuco nunca mais alcançaria na vida pública e no país a influência e o renome que tivera no Império. Não chegou nunca a ser Ministro das Relações Exteriores, apesar do esforço de Rio Branco em convencer Rodrigues Alves de que o grande abolicionista faria um melhor ministro do que ele. Na questão dos limites com a Guiana Inglesa não teve a mesma sorte que favoreceu o colega nos arbitramentos das Missões e do Amapá. O melhor que ficou de Nabuco foi sua pregação social, seus inigualáveis discursos e livros. O que veio depois, a partir de 1902, apesar do brilho diplomático da atuação em Londres e Washington, deixa a impressão de um finale em tom menor, de um doce crepúsculo.
Rui Barbosa, por seu lado, nunca adormeceu o temperamento de lutador e a permanente disponibilidade para o sacrifício pelas causas nobres. Como lembrou Oswald de Andrade no belíssimo e curto discurso publicado na Obra Seleta de Rui Barbosa sob o título "Rui e a Árvore da Liberdade", Rui esteve sempre pronto, como a semente do Evangelho, a morrer pelo dia seguinte do Brasil³. Candidato perene a purificar e melhorar as instituições e os costumes públicos, Rui foi continuamente repelido pelo poder que desejava reformar, convertendo-se no símbolo mais puro do profeta em nossa História, voz que desperta as consciências mas fadada à incompreensão e à derrota, o grande perdedor pelo Brasil.
Em contraste, a trajetória do Barão, após um começo obscuro e vacilante, seguiu, sem contratempos nem recuos, uma linha ascendente límpida e invariável. Como disse Constâncio Alves:
"Ele saiu da penumbra para a glória, como um rio que, depois de um curso subterrâneo, inesperadamente desenrolasse à luz do sol uma corrente já majestosa."
Na ascensão gradual mas segura e sem recaídas, no final en beauté, a morte no seu gabinete de trabalho, ainda ministro, ele se assemelha mais a outro grande sobrevivente do Império: Rodrigues Alves, falecido anos depois de uma presidência vitoriosa, às vésperas de tomar posse do segundo mandato presidencial para o qual havia sido eleito.
É tempo, pois, de indagar por que as coisas se passaram dessa forma e não de outra, qual a mistura de "virtú" e de "fortuna" que ajudam a entender o êxito tardio mas duradouro dessa vida cujo início, século e meio atrás, queremos celebrar.
Notas:
¹ Manuel de Oliveira Lima, O Barão do Rio Branco, in Obra Seleta, Ed. Instituto Nacional do Livro, 1a. ed., p. 299; Rio de Janeiro.
² Original no Arquivo do Itamaraty, apud Alvaro Lins, Rio Branco, 2a. ed., p.132.
³ In Obra Seleta de Rui Barbosa, Ed. Aguilar.
*Rubens Ricupero é diplomata de carreira desde 1961, exerceu, dentre outras, as funções de assessor internacional do presidente eleito Tancredo Neves (1984/1985); assessor especial do Presidente da República (governo José Sarney) (1985/1987); representante permanente do Brasil junto aos órgãos da ONU sediados em Genebra (1987-1991); e embaixador nos Estados Unidos(1991-1993). Foi ministro da Fazenda de 30 de março a 6 de setembro de 1994, durante o período de implantação do Plano Real.
O texto a seguir integra o livro Barão do Rio Branco: Uma Biografia Fotográfica, da Fundação Alexandre de Gusmão, vinculada ao Itamaraty:
Por Rubens Ricupero*
Quando Gelson Fonseca, então presidente da Fundação Alexandre de Gusmão. me pediu para escrever esta introdução, perguntei-lhe se desejava uma síntese da vida ou um estudo analítico da obra de Rio Branco. Sua resposta foi: "Procure mostrar por que o Barão é importante, o que justifica sua relevância ainda agora."
Interpretei a orientação como sendo algo a meio caminho entre o relato da vida e o exame da obra. Ou melhor, o esforço para mostrar como uma é inseparável da outra, como no fundo, a obra se confunde com a vida.
Só assim, creio, se poderia explicar ao leitor de hoje as razões da permanência e da validade dos resultados de uma política exterior concebida e executada quase cem anos atrás.
Não se trata, portanto, de tentar duplicar com palavras o que o livro vai mostrar pela imagem fotográfica. Quem tiver apetite para mais, poderá recorrer a uma das biografias relativamente recentes como a de Álvaro Lins e Luiz Viana Filho, capazes de atender plenamente à curiosidade acerca dos pormenores da origem familiar ou as vicissitudes da existência de Rio Branco.
Não se visa, tampouco, no outro extremo, a compor, com rigor acadêmico e abundância de citações, um estudo erudito e seco das idéias e do trabalho diplomático que trazem a marca do grande Chanceler.
Antes, o ideal seria ir desdobrando aos olhos do leitor, pari passu com as numerosas fotografias que lhe documentam a vida, as etapas de crescimento e maturação do pensamento e das ações de Rio Branco. Como nem tudo nessa trajetória foi passível de registro fotográfico, teremos de ir um pouco além das legendas que decifram a imagem, a fim de dar conta da articulação e do encadeamento entre a vida e a obra.
Dizer o porquê da fama persistente do Barão parece tarefa enganadoramente fácil. Como, porém, evitar a sensação do já visto e ouvido numa história contada dezenas, centenas de vezes? De que forma convencer o cético leitor atual, correspondente ao "ouvinte agudo" e sem fé temido pelo Padre Vieira, de que alguma coisa de antes da Semana de Arte Moderna de 22 possa ter valor, apesar do envoltório em linguagem e estilo tão contrastantes com o nosso gosto? De que modo seria possível, num livro destinado a celebrar os 150 anos do nascimento do segundo Rio Branco, fugir aos clichês e lugares-comuns, recusar, sobretudo quando se é diplomata de carreira, seja a atitude apologética e triunfalista dos escritores do passado, seja o impulso iconoclasta nascido da antipatia pela personalidade ou as idéias daquele a quem é dedicada a obra?
Não obstante a falsa aparência que atribuía ao Barão uma imagem unidimensional, descomplicada, sólida e de um bloco inteiro, na prática as coisas eram mais complexas. Manuel de Oliveira Lima, que o conheceu bem e o julgou sem indulgência, dizia que sua inteligência era banhada de luz mas sua alma tinha refolhos (no artigo original, os dois elementos são citados em ordem inversa)¹.
De fato, há muito de inesperado, até de paradoxal no destino de um homem que passaria os primeiros 50 dos seus 66 anos em quase obscuridade para, de repente, conquistar uma das notoriedades mais duradouras da História brasileira.
Ele desmente nisso algumas idéias engenhosas mas que, ao menos no seu caso, não resistem à prova dos fatos. Em uma de suas entrevistas, Tom Jobim afirmava que, para dar certo, Brasil precisava aprender a gostar dos vencedores. Em lugar de teimar em torcer por Garrincha, por exemplo, o brasileiro tinha afinal de começar a gostar de Pelé.
Ora, o Barão foi um vencedor por excelência, tardio se quiserem, mas certeiro e infalível. Uma vez descoberto o caminho do sucesso, dele nunca mais se desviou. Arbitragem das Missões, do Amapá, a solução para o Acre, a Terceira Conferência Americana no Rio, o Caso Panther com a Alemanha ou do telegrama número 9 com a Argentina, o primeiro cardeal sul-americano destinado ao Rio de Janeiro, tudo que tocava, virava ouro. Não é à toa que um povo humilhado e abatido pela inflação do Encilhamento e pelas atrocidades sem precedentes dos tempos de Floriano, dos degolamentos e execuções sumárias da Rebelião Federalista, pelo massacre de Canudos, já sob Prudente de Moraes, a suspeita perturbadora de que, em fim de contas, não éramos muito distintos das republiquetas sul-americanas, que o Segundo Império não fora a regra mas a exceção, que esse povo se agarrasse às vitórias de Rio Branco como anos mais tarde lançaria mão das glórias esportivas para restituir-se um pouco de auto-estima.
Essa gratidão pelas vitórias, a população começou a tributar-lhe ainda em vida, com a recepção que reservou ao seu regresso ao Rio de Janeiro para tornar-se ministro em dezembro de 1902, após 15 anos de ausência do Brasil e 26 anos de residência no estrangeiro. Foi uma das mais impressionantes manifestações de rua jamais testemunhadas pela Capital Federal, cujos cidadãos continuaram, nos anos seguintes, a multiplicar sinais de respeito e veneração ao conterrâneo Juca Paranhos, como se pode ver nas fotos onde populares se descobrem na Avenida Central à passagem de sua imponente figura, impecavelmente coberta de cartola naquele distante verão carioca.
Quase uma década mais tarde, o enterro no Caju, também num dia de verão de fevereiro de 1912, foi igualmente retratado pelos contemporâneos como consagração comovedora e sem precedentes.
Nada, no fundo, anunciava essa glória intensa, a popularidade maior que a do velho Visconde, seu pai e antigo Presidente do Conselho, naquele que havia sido discreto estudante de Direito, promotor inconstante, fugaz professor de História e Geografia do Brasil do Colégio Pedro II, deputado sem distinção nem entusiasmo, apagado funcionário consular em Liverpool.
É interessante, a esse respeito, o contraste entre o Barão e seus dois grandes contemporâneos, Joaquim Nabuco e Rui Barbosa. Ambos experimentaram o reconhecimento e a fama muito mais cedo, Nabuco como jovem e brilhante deputado e chefe abolicionista, promessa segura de um dia superar o pai a quem dedicou "Um Estadista do Império". Rui, já célebre e festejado durante a monarquia, seria o Ministro da Fazenda do Governo Provisório e o principal criador da Constituição republicana. Coincidentemente, em e outro, em momentos diferentes, apresentaram ao público brasileiro o desconhecido Rio Branco, Rui no consagrador artigo que ocupou toda a primeira página do "Diário de Notícias" de 14 de outubro de 1889, acerca dos capítulos sobre o Brasil da Grande Encyclopédie. Muito tempo mais tarde, o Barão reconhecia em discurso na casa de Rui Barbosa:
"Quando eu era ainda no estrangeiro um ignorado estudante das coisas pátrias e propagandista humilde e muitas vezes anônimo dos progressos da nossa terra e dos feitos honrosos de nossos compatriotas, foi o conselheiro Rui Barbosa quem, no jornal e com seu brilho costumeiro, chamou a atenção para estes meus pobres trabalhos e tornou conhecida entre nós a minha dedicação à pátria"².
Da mesma forma, coube ao amigo Nabuco reapresentá-lo no editorial escrito para o "Jornal do Comércio" de 9 de fevereiro de 1895, onde nota, a fim de festejar o êxito no caso das Missões:
"O Barão do Rio Branco, pode-se dizer, era até ontem muito mais conhecido em nosso país pelo reflexo do nome paterno do que pelo que ele mesmo já tinha feito."
Quis o destino que os três homenageados seguissem trajetos distintos. Na República, Nabuco nunca mais alcançaria na vida pública e no país a influência e o renome que tivera no Império. Não chegou nunca a ser Ministro das Relações Exteriores, apesar do esforço de Rio Branco em convencer Rodrigues Alves de que o grande abolicionista faria um melhor ministro do que ele. Na questão dos limites com a Guiana Inglesa não teve a mesma sorte que favoreceu o colega nos arbitramentos das Missões e do Amapá. O melhor que ficou de Nabuco foi sua pregação social, seus inigualáveis discursos e livros. O que veio depois, a partir de 1902, apesar do brilho diplomático da atuação em Londres e Washington, deixa a impressão de um finale em tom menor, de um doce crepúsculo.
Rui Barbosa, por seu lado, nunca adormeceu o temperamento de lutador e a permanente disponibilidade para o sacrifício pelas causas nobres. Como lembrou Oswald de Andrade no belíssimo e curto discurso publicado na Obra Seleta de Rui Barbosa sob o título "Rui e a Árvore da Liberdade", Rui esteve sempre pronto, como a semente do Evangelho, a morrer pelo dia seguinte do Brasil³. Candidato perene a purificar e melhorar as instituições e os costumes públicos, Rui foi continuamente repelido pelo poder que desejava reformar, convertendo-se no símbolo mais puro do profeta em nossa História, voz que desperta as consciências mas fadada à incompreensão e à derrota, o grande perdedor pelo Brasil.
Em contraste, a trajetória do Barão, após um começo obscuro e vacilante, seguiu, sem contratempos nem recuos, uma linha ascendente límpida e invariável. Como disse Constâncio Alves:
"Ele saiu da penumbra para a glória, como um rio que, depois de um curso subterrâneo, inesperadamente desenrolasse à luz do sol uma corrente já majestosa."
Na ascensão gradual mas segura e sem recaídas, no final en beauté, a morte no seu gabinete de trabalho, ainda ministro, ele se assemelha mais a outro grande sobrevivente do Império: Rodrigues Alves, falecido anos depois de uma presidência vitoriosa, às vésperas de tomar posse do segundo mandato presidencial para o qual havia sido eleito.
É tempo, pois, de indagar por que as coisas se passaram dessa forma e não de outra, qual a mistura de "virtú" e de "fortuna" que ajudam a entender o êxito tardio mas duradouro dessa vida cujo início, século e meio atrás, queremos celebrar.
Notas:
¹ Manuel de Oliveira Lima, O Barão do Rio Branco, in Obra Seleta, Ed. Instituto Nacional do Livro, 1a. ed., p. 299; Rio de Janeiro.
² Original no Arquivo do Itamaraty, apud Alvaro Lins, Rio Branco, 2a. ed., p.132.
³ In Obra Seleta de Rui Barbosa, Ed. Aguilar.
*Rubens Ricupero é diplomata de carreira desde 1961, exerceu, dentre outras, as funções de assessor internacional do presidente eleito Tancredo Neves (1984/1985); assessor especial do Presidente da República (governo José Sarney) (1985/1987); representante permanente do Brasil junto aos órgãos da ONU sediados em Genebra (1987-1991); e embaixador nos Estados Unidos(1991-1993). Foi ministro da Fazenda de 30 de março a 6 de setembro de 1994, durante o período de implantação do Plano Real.
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